Venho dividindo com vocês um pouco das minhas reflexões e aprendizados dos últimos projetos em 2021 e andanças Brasil afora. Eu a Ana Rosa Proença tivemos uma imersão amazônica de 10 dias para avaliar o potencial para o turismo de base comunitária de comunidades ribeirinhas no entorno da BR-319, que liga Manaus/AM a Porto Velho/RO.
Este trabalho faz parte de um projeto da minha consultoria e envolve muitas visitas, conversas e escutas em um momento de muita responsabilidade e sensibilidade, principalmente neste momento desafiador que estamos vivendo. A Amazônia está sendo ocupada por milícias ligadas ao tráfico de drogas, desmatamento, grilagem e muito garimpo ilegal. O clima de tensão e medo está nos olhos daqueles que costumam proteger a floresta com sua presença. Os verdadeiros guardiões da floresta. E o turismo surge também como uma ferramenta de resistência, empoderamento e luta.
Divido aqui alguns personagens, histórias e reflexões importantes com vocês!
Será que o fomento do ecossistema de “impacto” chega onde precisa?
Ouvi numa reunião na comunidade do Ramal 14 sobre a insatisfação dos ribeirinhos de não serem reconhecidos como àqueles que realmente protegem a floresta! Com TODA razão!
Quem é do ecossistema de impacto sabe que agora a moda é Amazônia. Toda hora é um tal de edital de startups, hackathons, rodadas de investimentos e pitch’s. Sinto-lhes informar mas, se queremos mesmo investir na Amazônia em pé o dinheiro precisa chegar aqui na mão de pessoas como Seu Chibata.
Eles tem uns 800 pés de açaí de variadas espécies no seu sítio, desenha seus projetos em caixas de papelão dobradas, incluindo uma área para beneficiamento do fruto que precisa de R$3.200,00 para ser construída, além de casas na árvore para hospedar e uma pequena barragem para criação de peixes no igarapé no fundo de casa.
Se é para fazer a floresta ficar em pé, é nesse tipo de gente que precisamos investir, quanto menos atravessador, mais efetivo o retorno para a floresta e para o mundo! Em tempos de aquecimento global, acredito que investir no ribeirinho é investir no CLIMA! Bora?
Um pouco do Brasil de verdade!
Dona Andréia mora em Rio Novo, no km 365 da BR-319.
Mantém um pequeno comércio e restaurante por lá na esperança do asfalto que não chega. Seu filho de 14 anos já está “juntado” com outra adolescente e assim as histórias vão se repetindo. Não há escola para eles.
Fazia tempo que eu não visitava um lugar sem escola. Difícil é conseguir comer só a comida, sem que a poeira dos caminhões “tempere” a comida junto! Tristes cenários do Brasil de verdade…
VIVA O SUS!
No meio da floresta, na comunidade de São Pedro, município de Careiro Castanho/AM, encontramos uma UBS que atende não só os residentes do entorno mas os ribeirinhos que longe estão, visitando presencialmente as casas mais distantes!
Fizemos questão de conhecer essa equipe de heróis, sob a liderança da enfermeira Marcilene. Atualmente a UBS está sem médico e equipe fixa de enfermeiros e técnicos e a equipe móvel de dentistas e fisioterapeutas é quem da conta da saúde da população ribeirinha!
Um pouco dos nossos privilégios de cada dia…
Nos grandes centros urbanos temos a facilidade de ter ao alcance das mãos tudo que precisamos. Na cidade grande, o IFood e serviços de entrega ao alcance dos dedos, nas cidades pequenas o Mercado Livre.
Nem nos damos conta que existem milhões de pessoas que não tem nem endereço postal para receber uma carta ou encomenda. Já se perguntou como é viver assim?
Daí a importância dos pequenos comércios, as “vendinhas” onde se encontra um pouco de tudo. Os micro que compram dos pequenos que compram dos grandes.
Imagina o preço que qualquer um desses produtos chega por lá? Valores esses pautados no preço absurdo do combustível. Se para nós que estamos na cidade a gasolina já pesa na vida, o café que dobrou de preço pautou os “memes” dos últimos meses, imagina para quem vive no meio da floresta, às margens de uma BR sem asfalto, comendo poeira todos os dias aguardando o tão sonhado asfalto.
Dê valor às pequenas comodidades do dia a dia e se pergunte como você pode contribuir para melhorar a vida dessas pessoas, que estão aqui insistindo em manter essa floresta em pé e prestando esse serviço ambiental para a manutenção do clima do mundo!
Personagens da BR-319
Professora Cícera mora com a família no meio da BR-319. Seu pai veio na década de 70 do Paraná buscando oportunidades e de lá para cá acompanharam a “novela” da BR. Segundo eles, foram 30 anos sem passar 1 máquina por lá…
Ela mantém uma sala de aula improvisada para as crianças da região. Possui uma pousada para os passantes, funcionários de empresas que passam, pesquisadores e corajosos aventureiros que de moto ou de carro se arriscam a fazer o caminho entre Manaus e Porto Velho.
Hoje Prof. Cícera também está cuidando dos netos de cinco, três e um ano e meio que foram abandonados pela mãe e cujo pai segue trabalhando em Manaus para sustentá-los!
Eles possuem uma casinha para receber os cultos semanais da Igreja Evangélica da qual são fiéis. É só muita fé mesmo que mantém o povo firme e confiante para lutar pelos seus direitos…. Duro de acreditar, não acham?